Os 3 Reis Magos do Presente

As contrações começaram por volta das 3 da madrugada. Maria começou a sentir um desconforto no fundo da barriga. No início mal se sentia, mas, passadas duas horas, as dores apertavam a sério.


O marido, José, apoiava a esposa no que podia: oferecia-lhe água, ajudava-a a caminhar, apoiando-se nele; levava-a à casa de banho quando tinha de ser, que nestas horas não há lugar para a vergonha e o embaraço. Em breve, o pequenino ia nascer e as suas vidas nunca mais seriam as mesmas. Maria tinha proibido a médica de lhe dizer o sexo da criança, mas tinha a certeza de que seria um rapaz. José não tinha certezas de nada. Continuava confuso como desde que soubera da gravidez da mulher. Seria um bom pai? Desempenharia corretamente tal missão? Ser pai de uma criança é tão importante como ser mãe. É um papel a dividir pelos dois.


Às 5 da manhã, finalmente, decidiram:

-Vou pôr o carro a aquecer. Está muito frio. Não tarda, está a nevar. -disse José. -Vê se falta alguma coisa na mala e pega no telemóvel.


Dez minutos, depois circulavam na estrada. Estava uma noite fria, mas não havia vento. No céu, apenas uma estrela brilhava, como se as nuvens tivessem apagado as outras. O Hospital ainda ficava a uns bons 30 km de distância e estava mesmo a começar a nevar, como José previra. Maria gemia no banco traseiro, onde ia mais à vontade e podia mudar de posição quando as contrações atacavam. Dor e alegria misturavam-se. Era dia 25 de dezembro e, na montanha, é normal nevar nesta altura.


Os primeiros flocos de neve encheram o para-brisas mais depressa do que seria de desejar. Em breve a estrada estaria intransitável. José preferiu manter para si a preocupação. Maria já tinha bem com que se ocupar. As dores estavam cada vez mais fortes.


-Não vou aguentar até ao Hospital! Liga para o 112! Vai nascer aqui!


O coração de José mal cabia no peito. Encostou o carro numa

pequena área fora da estrada, ligou os quatro piscas e fez o que Maria pediu. Demoraram a atender. Parecia que os segundos se tinham transformado em horas. Do outro lado, uma mulher explicou que não havia ambulâncias disponíveis e que os profissionais do INEM iriam ao seu encontro logo que possível. O forte nevão impedia que o helicóptero de urgência levantasse voo.


-Parece que somos só nós os dois. Confia em Deus. Vai correr bem.


Maria concordou com um aceno. Sentia a presença dos Anjos à volta do carro. Era até capaz de jurar que ouvia um cântico de Glória, baixinho, na sua cabeça.


José trazia na porta do carro um kit de unhas e desinfetante para as mãos, que nunca mais tinha tirado dali desde o início da pandemia. Desinfetou as mãos e aguardou.


Apesar do frio, Maria transpirava com o calor. As dores eram insuportáveis, mas sentia uma alegria infinda. Em breve, teria o filho nos braços.


José recebeu a criança com as suas mãos. Era um menino como Maria dizia. Desinfetou a tesoura das unhas e cortou o cordão. O menino chorava a plenos pulmões e Maria beijou-o e abraçou-o, para o tranquilizar, tal e qual como ele viera ao mundo: coberto de líquidos e de sangue. Era toda a Humanidade a chorar no seu peito.


-Vai chamar-se Salvador. Sempre gostei do nome.


-Sim. É lindo! Ainda por cima, é Natal. É o nome mais lindo que ele poderia ter.


Pouco depois, ouviram um veículo a aproximar-se e a parar atrás deles. Era o limpa-neves que andava a desimpedir a estrada. Dois homens saíram no camião.


-Precisam de ajuda, amigos? - Disse um deles. - Chamo-me Gaspar e o meu colega é Baltasar.


Maria e José olharam um para o outro e sorriram.


-Já sei o que estão a pensar. Toda a gente nos goza. Somos dois Reis Magos! - e deu uma gargalhada que encheu a noite de alegria.


-Que temos nós aqui? - Baltasar espreitava do outro lado do carro- Esta senhora acabou de dar à luz!


-Então chegámos na hora certa. Venham atrás de nós.


O limpa-neves abria caminho enquanto José os seguia. Maria estava embevecida com a criança. Embrulhado numa mantinha, Salvador mamava o seu primeiro alimento e a mãe já não sentia dores, nem desconforto, apenas felicidade e alívio.


Um pouco à frente, um carro tinha embatido numa árvore. Nada de muito grave. O toque tinha sido ligeiro, mas a condutora preferira aguardar que as condições meteorológicas melhorassem. Baltasar desceu a janela e gritou:


-Venha connosco, menina! De manhã manda alguém buscar o seu carro!


A jovem, gelada, agradeceu a boleia e o calor que se fazia sentir no camião.


-Muito obrigada! O meu ar condicionado logo havia de avariar hoje. Chamo-me Madalena. Muito prazer.


-Eu sou o Gaspar e este é o Baltasar!


-Não posso crer! Eu sou Melchior! Madalena Melchior! Somos os três reis magos!


-Mas isto é fantástico! Gaspar, Baltasar e Melchior! Ainda há quem diga que não há coincidências! Mas o que faz na estrada a esta hora, menina?


-Sou enfermeira e o meu turno começava às 6 horas. Já vou chegar atrasada!


-Enfermeira? Era mesmo de si que precisávamos!


Madalena mal podia acreditar no que ouvia. Atrás do limpa-neves, seguia um carro onde um recém-nascido podia precisar da sua ajuda! Sem hesitar, desceu do camião com a sua mala de enfermagem e entrou no carro de Maria e José. O pequenino dormia tranquilamente nos braços da mãe e os sinais vitais pareciam normais. O batimento cardíaco era forte e a respiração regular. Aquele menino fora abençoado pelas circunstâncias e protegido por três desconhecidos.


O resto da viagem até ao Hospital decorreu sem mais sobressaltos e, para aquelas pessoas, o Natal nunca mais seria o mesmo. Seria o dia em que, por um feliz acaso, o destino de seis pessoas estaria, para sempre, unido, e o pequeno Salvador poderia dizer que nascera no dia de Natal e que tinha sido abençoado pelos três Reis Magos do Presente.





Lucinda Cunha

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