Lá em casa também éramos cinco

Éramos cinco lá em casa


na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viúva. cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.

(José Luís Peixoto)



Lá em casa também éramos cinco: eu, o meu irmão, o meu pai, a minha mãe e a minha avó materna. Fomos cinco durante mais de vinte anos, até a minha avó ter um AVC à minha frente e da minha mãe, numa segunda-feira de junho. Apesar de estarmos quase no verão, as noites na minha terra, como é costume em Trás-os-Montes, são (muito) frescas e a minha avó tinha um hábito irritante: fosse inverno ou verão, estivesse calor ou um frio de rachar, todas as noites abria a porta da cozinha, espreitava para o céu e comentava: “Está encoberto” ou “Está limpo”. Às vezes entrava tanto frio que nos arrepiávamos e protestávamos, descontentes! Em pleno fevereiro, com temperaturas negativas, não prescindia deste hábito e de nada adiantavam os nossos protestos. Numa noite de junho, não teve tempo de abrir a porta para olhar o céu, como fazia todos os dias, e caiu desamparada para trás, para minha aflição e da minha mãe, que assistimos a tudo. Só depois percebemos que estava desorientada e que não nos reconheceu de imediato. Morreu dois dias depois.

Lá em casa éramos cinco e, nas noites de inverno, reuníamo-nos em frente à lareira da sala, que continua a ser o meu sítio predileto da casa. Sentia aquele calor reconfortante e adormecia no sofá. Na altura, só havia dois canais de televisão. Então, nessas noites, a minha mãe e a minha avó contavam anedotas daquelas que agora não fazem sentido nenhum, muito diferentes das que se contam hoje em dia. Só para perceberem o que quero dizer, aqui vos conto uma.

“Um homem foi à feira e viu uma mula à venda muito esperta e bonita e perguntou ao dono onde tinha arranjado aquele animal porque também queria uma mula assim. Zombou o homem: “A minha mulher estava no fim da gravidez. Não a deixei urinar durante 3 dias e depois nasceu a mula, muito guicha (esperta)”. O palerma acreditou e, quando chegou a casa, proibiu a mulher, que estava grávida, de urinar. A mulher aguentou quanto pôde, mas quando não resistiu mais foi atrás de uma giesta. Como estava a apertadinha, o barulho fez com que uma lebre, assustada, saltasse e fugisse dali para fora. Ao ver a lebre a sair disparada, grita-lhe a mulher: “Mulicha, volta ao nascedoiro, que ainda agora nasceste e já és tão guicha!”.

E nós ríamos com tamanho disparate. Ríamos os cinco: quem contava ainda ria mais do que quem ouvia.

Outra história que ouvíamos muitas vezes era esta que aqui vos deixo e amplio, porque a minha avó e a minha mãe só contavam as duas primeiras estrofes. As outras inventei-as, seguindo o mesmo molde. Espero que gostem!

Está aqui, neste poema-brincadeira, um pedaço do meu passado.



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Lucinda Cunha

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